Totalitarismo e a banalidade do mau

O totalitarismo obedece a quatro critérios para usar as análises de Hannah Arendt. É antes de tudo a lógica de uma Ideia, da raça superior, do Partido ou de uma sociedade sem classes. Então vem uma estrutura de poder cebola. Da polícia política, dos serviços secretos, do exército, do partido ou da comitiva do tirano, ninguém sabe quem manda. Acrescenta-se a isso a noção de “massa”. Quando o povo é uma totalidade diferenciada, o totalitarismo é preparado pela destruição dos sistemas de comunicação, pela vontade de destruir os intervalos entre os homens, por qualquer mediação de distância. Finalmente, o totalitarismo desenvolve uma cultura do campo, uma espécie de laboratório avançado, massacre administrativo onde o corpo é suprimido.

As palavras têm memória, a do “totalitarismo” é oprimida por Auschwitz, a Revolução Cultural Chinesa, o regime do Khmer Vermelho e outros que trataram ou tratam a espécie humana como uma entidade sem memória, organizando uma espécie de amnésia bárbara.

Quando políticos ávidos por fórmulas de choque, pseudo-filósofos substituindo o pensamento pelo fato de aparecer na mídia, ou militantes tagarelas, usam de propósito determinadas palavras, transformam, pela facilidade da linguagem, a realidade em uma vasta feira onde tudo está em tudo. Eles contribuem para “a banalidade do mal”.

Confusão

Num mundo onde as ideologias totalizantes deram lugar a um individualismo libertador e escravizado pelos excessos do ego, ainda temos a linguagem para carregar o que foi. No entanto, isso é devastado por aqueles que o usam como um gadget que pode ser oferecido sem ter percebido seu alcance.

Quer nos preocupemos com certos excessos ambientais, quer critiquemos a forma como os governos conduzem, que muitas vezes também se pagam com palavras, nada é mais normal. Por outro lado, ao não trabalharmos a História, estamos a promover aquilo que dizemos estar combatendo, uma sociedade apática. São as mesmas pessoas que, no passado próximo, não diziam uma palavra sobre o totalitarismo chinês ou iraniano, os excessos autocráticos de Putin e seu deslizamento gradual para a mesma tentação dos czares, ou seja, erguer a Rússia como farol espiritual do mundo.

Os tempos são confusos, uma razão adicional para não pagar uma palavra. Imperialismo, autocracia, despotismo, totalitarismo cobrem diferentes realidades. Anteriormente, Julien Benda evocou a “traição dos escrivães”. Hoje, preferimos dizer os mestres da logorreia.

Existe uma saída para esses distúrbios de linguagem. É um trabalho intelectual, a necessidade de calar quando não se conhece um assunto, o retorno à discussão entre os cidadãos e a escuta atenta do que vem de fora. As palavras possuem inerentemente uma modéstia, elas sempre ficam aquém do que a vida tem reservado e abominam ser usadas para propósitos não mencionáveis.

Nesse sentido, o uso de “totalitarismo” pretendendo saber seu significado exato, é um crime que não sabemos aonde pode levar.

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