O erro moral na era das redes sociais digitais
Eu olho o meu facebook e Twitter do meu celular enquanto espero meu computador ligar. Uma nova polêmica. Indignação nas redes. Eu nem entendo exatamente do que se trata, estou tentado a pegar a onda da raiva. Vejo como diferentes grupos trocam mensagens agressivas e compartilham uma mensagem indignada. “As coisas não podem ser assim, ele está completamente errado, é intolerável.” Mostrar nossa raiva e descontentamento em uma situação que, em nossa percepção, ataca nossos valores morais. A verdade é que nunca tivemos tanta facilidade ou fomos capazes de expandir nossa reclamação moral tanto quanto agora e graças à internet. Não é uma novidade, a humanidade sempre sentiu necessidade de impor aos outros o que consideramos valores adequados. O que até agora tinha um alcance limitado à proximidade física, agora viaja por cabos de cobre. São funções sociais antigas para novas redes. A costumeira queixa moral, que acontecia – até agora – em pequenos núcleos sociais de poucas pessoas, entrou na era digital.
As sociedades humanas são moldadas por meio de ferramentas sociais: fofoca, vergonha e punição. São atos cotidianos que usamos para educar nossos filhos, nossos colegas ou até mesmo estranhos. Impomos (e garantimos que as conformidades sociais não sejam rompidas) ao mesmo tempo em que buscamos criar novos acordos com nossos valores. No entanto, essas ferramentas evoluíram em um ambiente onde éramos apenas alguns indivíduos, um espaço onde todos nos conhecíamos e interagíamos cara a cara. Um dos avanços trazidos pela internet é a possibilidade de mostrar nosso virtuosismo a mais pessoas. As redes sociais digitais têm suas peculiaridades: facilitam que nosso comportamento seja moldado por um “curtir”: ou seja, não só nos mostramos como seres virtuosos, mas também nos dão um “curtir”. Vamos nutrir nossa posição cercando-nos de pessoas que a compartilham e, sem nenhum custo além de clicar em um coração digital, pode validar nossa explosão de indignação. O erro moral torna-se assim contagioso.
A mídia online é um dos canais onde mais aprendemos sobre atos morais e imorais, pelo menos em comparação com a mídia tradicional ou por meio do contato pessoal. Eles têm um alto nível de exposição e grande conteúdo emocional que o convida a compartilhar. As mensagens que mais apelam ao nosso senso moral são aquelas que sentimos mais necessidade de comunicar com outras pessoas. Faz sentido, se percebermos que algo prejudica o mundo como o entendemos; é quando queremos comunicar e espalhar essa indignação. Antes de ferramentas como retuitar, responder ou compartilhar postagens, a indignação moral tinha outros custos. Ele nos obrigou a ficar na frente de alguém, mostrar nossa raiva e nos expor a riscos dos quais estamos protegidos graças a uma tela. Em outras palavras, a distância virtual nos protege.
Veja, por exemplo, a última vez que chamamos a atenção de outra pessoa para um comportamento inadequado em uma situação offline. Nesse tipo de situação temos que nos expor à possibilidade de que seja uma pessoa que vai nos responder com violência, talvez seus gestos e comportamentos nos levem a ter empatia por ele ou seja simplesmente nosso colega de trabalho e enfrentá-lo levaria à quebra a paz social de nosso meio ambiente.
Podemos adotar uma visão catastrófica: o mundo online explora o que há de pior na natureza humana transformando-o em um ambiente/lugar hostil: pessoas se prejudicando porque veem seus valores morais serem atacados, algo que poderia levar a uma sociedade dividida. No entanto, a natureza nos dá a capacidade, por meio da cultura, de projetar maneiras de eliminar as circunstâncias que desencadeiam comportamentos prejudiciais. O desafio é adaptar-se à comunicação nessas novas redes amplas e impessoais com seus benefícios, sem suas desvantagens. Desenhar ferramentas que nos permitam usufruir do apoio social que podemos obter na nossa rede digital de contatos, trocar ideias, propostas, incentivar dissidências e encontrar apoios para as nossas causas sem cair no assédio, polarização e divulgação de notícias falsas para torcer nosso clique. Não há soluções mágicas e definitivas além de conhecer os avanços da psicologia social e aplicar e avaliar propostas. Uma coisa é certa: é nossa natureza – e é necessário na sociedade – projetar sistemas para nos comunicarmos em paz.